Da Agência Senado
Às vésperas do aniversário de 50 anos do golpe militar que tirou o mandato do presidente João Goulart e mais tarde ocasionou o fechamento do Congresso, a Comissão da Memória e Verdade dos Jornalistas do Distrito Federal apresentou relatório preliminar que aponta a existência, durante a ditadura militar (1964-1985), de centros de detenção e de tortura a pouco mais de 500 metros de distância do Palácio do Planalto.
O documento foi entregue nesta quarta-feira (19) ao presidente da Subcomissão Permanente da Memória, Verdade e Justiça, senador João Capiberibe (PSB-AP), que prometeu promover diligências aos locais para apurar as denúncias.
Porões da ditadura
Segundo o jornalista Chico Sant´Anna, profissionais da imprensa e outros cidadãos eram levados para dependências de dois prédios localizados na Esplanada dos Ministérios – na região central de Brasília – que então sediavam os ministérios do Exército e da Marinha. Na avaliação de Sant´Anna, a proximidade com o centro do poder político evidencia o envolvimento dos chefes do governo militar com casos de violação de diretos humanos.
– Pelo menos quatro relatos apontam a existência durante aquele período de centros de tortura a menos de 500 metros do Palácio do Planalto. É uma prova cabal de que era de conhecimento da cúpula do poder a ocorrência de tortura contra jornalistas – afirma Sant´anna.
A Comissão da Memória e Verdade dos Jornalistas do Distrito Federal já ouviu ao todo 20 pessoas e dispõe de mais de 40 horas de gravações com depoimentos que relatam casos de ameaças, torturas e prisões durante o regime de exceção. Os relatos também apontam ocorrências de censura prévia em veículos de comunicação, presença de censores nas redações de jornais e violação de confidencialidade de correspondências de jornalistas, entre outros casos de repressão.
Hélio Doyle, que participou da audiência pública desta quarta-feira, é um dos jornalistas que revelaram a utilização de unidades das Forças Armadas em Brasília como centros de detenção.
— Estava indo de carro para a casa dos meus pais quando eu e minha então mulher fomos cercados por duas Veraneios e ali mesmo formos retirados do carro, colocados na Veraneio e levados para o Ministério do Exército. Quem me levou foi o pessoal do Dops [Departamento de Ordem Política e Social]. Fui levado sem capuz e colocado em uma pequena sala cercada de isolantes acústicos e com vidros. Eu não sei dizer quanto tempo durou, talvez algumas horas. Depois, fui retirado de lá e levado para o Setor Militar Urbano. Não voltei mais àquele local, mas para mim ficou muito claro que ali funcionava um centro de detenção — descreveu Hélio Doyle.
O jornalista Armando Rollemberg contou que foi encapuzado e jogado no porta-malas de um veículo modelo Veraneio e levado para um lugar que se assemelha a uma das garagens existentes nos subsolos dos prédios da Esplanada dos Ministérios.
— Nesse vão, muitas pessoas estavam sendo torturadas simultaneamente. Ao contrário do que se dizia, a cadeia de comando das Forças Amadas tinha sim conhecimento do que estava se passando nos chamados porões da repressão. Tanto havia conhecimento que o general [Antônio] Bandeira, que era responsável pelo DOI-Codi, sabia da minha prisão, sabia que eu estava sendo torturado porque quando meu pai esteve com ele, ele tirou um dossiê para falar da minha militância universitária — narrou Rollemberg.
Resgate da memória
Segundo Romário Schettino, que foi submetido a tortura durante 25 dias, a identificação dos locais onde foram presos e torturados jornalistas e cidadãos ajudará no resgate da memória do período. Mesma opinião manifestaram a senadora Ana Rita (PT-ES) e o senador João Capiberibe.
— É fundamental que a sociedade brasileira tenha conhecimento de todo esse processo político — disse o senador, que apresentará requerimento para que a subcomissão agende visitas às sedes dos ministérios citados.