Preocupado com a gravidade da situação relativa às sucessivas denúncias do Ministério Público do Estado do Amapá, acatadas pelo Tribunal de Justiça, envolvendo 21 deputados estaduais da Alap e empresários, o senador João Capiberibe enviou, nesta sexta-feira (30/5) um ofício a inúmeras autoridades, dentre elas a presidenta da República, Dilma Rousseff. O documento – que seguiu também para os ministros do STF e do STJ, além de todos os deputados federais e senadores – é um alerta sobre o esquema que criminoso transformou a Assembleia Legislativa do Amapá na principal fonte de corrupção do Estado.
Leia conteúdo do documento:
“Como autor da Lei da Transparência que, desde 2009, quando foi sancionada pela Presidência da República, se transformou em uma eficiente arma no combate a corrupção no país, me dirijo a V.Exa. para informá-la sobre a gravidade da situação relativa às sucessivas denúncias do Ministério Público do Estado do Amapá, acatadas pelo Tribunal de Justiça do Amapá, envolvendo 21 deputados estaduais da Assembleia Legislativa do Estado e empresários.
Desde a realização da Operação Mãos Limpas, deflagrada pela Polícia Federal, em setembro de 2010 – em que foram presos o então governador Pedro Paulo, o ex-governador Waldez Góes, o então presidente do Tribunal de Contas do Estado, Júlio Miranda, o ex-prefeito de Macapá e presidente da Federação de Futebol do Amapá, Roberto Góes, secretários estaduais, servidores públicos e empresários -, que o Ministério Público do Estado desencadeou um implacável combate a corrupção pública para desarticular uma organização criminosa que insiste em saquear os cofres públicos.
Em 2012, a Justiça acatou denúncia do Ministério Público contra os deputados estaduais Moisés Souza e Edinho Duarte, respectivamente presidente da Assembleia e 1º secretário da Mesa Diretora, afastando-os dos cargos por formação de quadrilha, fraude em licitação, peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro por comandarem um esquema criminoso que desviou mais de R$ 5 milhões.
Neste primeiro semestre de 2014, os deputados Moisés Souza e Edinho Duarte, que haviam retornado aos cargos por decisão monocrática do STF, foram novamente afastados por força de uma ação penal pelo desvio de mais de R$ 500 mil.
Vale informar que os parlamentares afastados respondem, ainda, a outras 12 ações penais pelos crimes de peculato, formação de quadrilha e fraude em licitações, resultado da Operação Eclésia, da Polícia Civil do Amapá, deflagrada em maio de 2012 pelo MPE.
Ainda neste semestre um imenso esquema de notas fiscais frias denunciados pelo MPE, levou a Justiça do Amapá a bloquear bens e contas bancárias de 21 dos 24 deputados estaduais do Estado.
As investigações do MPE que resultaram no bloqueio, neste primeiro semestre de 2014, se referem à execução orçamentária de 2011.
São 100 mil indícios reunidos pelo Ministério Público, uma montanha de notas fiscais apresentadas pelos parlamentares para justificar despesas de todo tipo, sendo a maioria de notas falsificadas, segundo a denúncia do MPE, atendida pela Justiça.
Estima-se que em três anos os desvios tenham chegado a R$ 45 milhões, haja vista, que no ano de 2013, os 24 deputados estaduais gastaram R$ 17.476.847,77 milhões em diárias (tabela em anexo) em um Estado com apenas 16 municípios, enquanto o Senado Federal, com 81 senadores, gastou em diárias nacionais e internacionais R$ 1.249.143,50, conforme expressa o Portal da Transparência, com relatórios de prestações de contas detalhando os objetivos e os resultados das viagens oficiais dos parlamentares.
Mesmo depois da megaoperação Mãos Limpas, de 2010 – cujos inquéritos são de alçada do Superior Tribunal de Justiça, e da operação Eclésia, conduzida pelo Ministério Público Estadual, em que o Tribunal de Justiça do Amapá determinou busca e apreensão de documentos na sede da Assembleia Legislativa do Amapá -, parlamentares e servidores continuaram a se locupletar dos recursos públicos, graças ao superfaturamento do orçamento e à certeza da impunidade.
O esquema criminoso, estancado no Poder Executivo a partir de 2011, transformou a Assembleia Legislativa do Amapá na principal fonte de corrupção do Estado.
Isso fica cristalino com a prisão, em novembro de 2013, do delegado de Polícia Federal Marcos José Reátegui de Souza, irmão do deputado estadual Moisés Reátegui Souza e ex-procurador-geral do Estado, na gestão do então governador Waldez Góes.
A prisão do delegado resultou de uma investigação de dois anos do Núcleo de Inteligência da Polícia Federal, que objetivou descobrir as relações com o empresário Luciano Marba Silva, dono da empresa LMS, preso no dia 23 de outubro de 2013, suspeito da prática de diversos crimes, segundo o MPE, inclusive a participação no assassinato de seu ex-sócio Fernando Queiroz e de ser laranja da LMS, que na verdade seria de propriedade dos irmãos Marcos e Moisés.
No inicio do mês corrente, o Ministério Público do Estado do Amapá deu entrada na Justiça de duas novas denúncias contra Luciano Marba Silva como autor ou co-autor de vários crimes, dentre os quais: corrupção ativa, corrupção passiva, extorsão, afastar interessados à licitação e formação de quadrilha.
As denúncias contra o sócio majoritário da empresa LMS – Vigilância e Segurança Privada Ltda., foram acatadas pela Justiça, que decretou a sua imediata prisão, mas Marba está foragido, sendo procurado pela Interpol.
Vale registrar ainda, que a Operação Citrus, a 24º da Polícia Federal desde 2004, realizada em novembro de 2013, prendeu a ex-prefeita de Laranjal do Jarí e presidente da Associação dos Municípios do Amapá, Euricélia Cardoso, o superintendente da Funasa, José Roberto Galvão, o ex-prefeito de Oiapoque, Aguinaldo Rocha e servidores públicos.
Além da Operação Citrus, a Polícia Federal realizou desde 2004 outras 23 operações e prendeu mais de 310 autoridades e servidores públicos.
O alto grau de corrupção dos poderes públicos não é uma exclusividade do Amapá, mas, de fato, é grave.
Criou-se no Estado uma cultura muito forte de se misturar o público com o privado, e muitos se valem da impunidade em torno disso.
O Amapá, ao que parece já se acostumou a ser alvo de ações dos Ministérios Públicos e de operações das Polícias Civil e Federal.
A falta de conclusão do inquérito da maior de todas as operações da Polícia Federal, a Mãos Limpas, que prendeu os responsáveis pela corrupção nos três poderes do Amapá entre 2003 e 2010, talvez seja a força motriz para a continuidade da corrupção, agora alojada na Assembleia Legislativa.
Enquanto a conclusão do inquérito se arrasta na burocracia jurídica do país, os presos em todas as denúncias do MPF e MPE circulam livremente pelas avenidas e ruas largas do Amapá.
Não é assombração, mas é fácil se bater de frente com os mais “ilustres” presos, circulando pela calçada da orla do Rio Amazonas.
O objetivo desta carta é mostrar a V.Exa. que a corrupção se transformou em fato corriqueiro e banal no Amapá.
Na Assembleia Legislativa, por exemplo, o superfaturado orçamento incentiva a malversação dos recursos públicos e proporciona várias ilegalidades, como as constatadas pelo MPE e que ganharam a mídia nacional, através de reportagem do Fantástico neste mês corrente.
O superfaturamento do orçamento da Assembleia resultou no surgimento do movimento Reduza Já, que pleiteia a redução do orçamento da Assembleia em 50%, e conta com o apoio do PSB, PT, PSOL, PCdoB, OAB e outras entidades da sociedade civil.
O superfaturamento dos orçamentos dos legislativos não é um privilegio do Amapá. É recorrente em todas as Assembleias e acaba sendo um indutor a má utilização de recursos públicos.
No Amapá, a sociedade se mobiliza para que o orçamento da Assembleia reflita as necessidades de sua estatura.
Essa é a oportunidade de passar o Amapá a limpo. Nesse processo, é preciso contar com o apoio de todos os homens e mulheres de bem do país.
Ante o exposto, espero contar com o apoio de V.Exa. nesta luta que travo contra a corrupção no país e no Amapá, em particular, ao mesmo tempo em que renovo os protestos de estima e consideração.
Atenciosamente,
Senador João Capiberibe (PSB-AP)”
RANKING DE GASTOS COM DIÁRIAS EM 2013 |
|
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO AMAPÁ |
17.476.847,77 |
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA |
7.485.781,99 |
CÂMARA DOS DEPUTADOS |
2.931.341,16 |
SENADO FEDERAL |
1.249.143,50 |
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA |
485.437,95 |
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL |
461.978,73 |
|
|