Na manhã desta segunda-feira, 23/9, finalmente aconteceu a visita da comitiva criada pela Subcomissão da Verdade e Memória do Senado, presidida pelo senador João Capiberibe (PSB-AP), ao Doi Codi. Além de parlamentares, faziam parte integrantes da Comissão Nacional da Verdade e da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, que havia sido impedida de entrar no quartel há cerca de um mês.
A visita é considerada um marco na luta pela transformação de espaços como esses em centros de memória, um dos projetos das comissões da verdade.
Fizeram parte da comitiva, além dos senadores Capiberibe e Randolfe Rodrigues (presidente e vive-presidente da Subcomissão do Senado), quatro membros da Comissão da Verdade do Rio – Wadih Damous, Marcelo Cerqueira, Álvaro Caldas e Nadine Borges (os dois últimos representando também a Comissão Nacional)-; e as deputadas Luiza Erundina (PSB-SP), presidente da Subcomissão da Memória e Verdade da Câmara Federal, e Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
“Foi um momento histórico, tenso e, sobretudo, emocionante para nós que estávamos sendo conduzidos pelo Álvaro, que ali foi preso e torturado na década de 70”, afirmou João Capiberibe, referindo-se ao membro da Comissão Estadual da Verdade, o jornalista Álvaro Caldas, de 72 anos, preso e torturado por duas vezes nas dependências do DOI Codi, tendo sofrido choques elétricos, pau de arara e afogamento.
“O DOI-Codi foi o pior local por que passei na vida. O de maior sofrimento e dor, mas também de alegrias, quando um preso confortava o outro. Volto 40 anos depois. Das duas vezes em que fui preso, entrei com o capuz. A estrutura interna sofreu algumas mudanças, mas é possível reconhecer as salas em que aconteciam as torturas, uma rotina do DOI-Codi.
Outros portões precisam ser abertas e esse foi apenas o primeiro. É necessário saber onde estão os mortos e desaparecidos, e também ouvir os torturadores”, disse, emocionado, Álvaro.
“O dia de hoje é histórico. É a primeira vez que se consegue visitar as masmorras do DOI-Codi, onde presos foram torturados e mortos. E este é o primeiro passo para que o local seja transformado em espaço de memória, para que as gerações que não acompanharam esse período possam saber o que aconteceu aqui.
Os atuais integrantes das Forças Armadas não têm qualquer responsabilidade por esses crimes. Mas é direito da sociedade saber o que aconteceu.”, afirmou o presidente da Comissão da Verdade do Rio, Wadih Damous.
Na visita, Wadih entregou ao comandante do quartel, coronel Luciano, um ofício que tem como destinatário o Comando do Exército com pedidos de informações sobre acontecimentos do período da ditadura envolvendo repressão política na ditadura militar.
João Capiberibe considera que a visita representa um raio x da relação atual com os militares: “A visita ao DOI-Codi do Rio, que foi um dos principais centros de tortura do país, é uma espécie de reconciliação nacional, mas ainda percebemos que, ao negar informações sobre esse período, ainda existe um tabu nas Forças Armadas”, explicou o senador.
Ele vai encaminhar um ofício ao comando militar solicitando cópia das imagens, vídeo e fotos, e áudio dos registros feitos durante todo o tempo da visita pelos militares. “A diligência também teve um perfil muito pedagógico, sobretudo para aqueles jovens militares que nos acompanhavam e que certamente desconheciam casos como os de Álvaro Caldas. O testemunho dele durante nossa passagem pelas instalações deixou muitos deles visivelmente constrangidos e até de cabeça baixa”, revelou o senador Capi.
O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) tentou forçar a entrada no local juntamente com a comitiva, mas sua presença foi vetada. “Não tem sentido levarmos conosco um defensor da ditadura e da tortura”, afirmou o senador Randolfe. Bolsonaro, que é militar da reserva, conseguiu entrar no quartel, mas, por exigência dos senadores, foi impedido de acompanhar a comitiva ao interior prédio do DOI-Codi. O Exército respeitou o veto da comitiva ao seu nome e Bolsonaro aguardou no pátio do batalhão.
No momento da entrada no quartel, houve troca de hostilidades entre Bolsonaro e João Capiberibe e, depois de um bate-boca, o deputado chegou a agredir Randolfe, que saíra em defesa de Capi, com um catucão na barriga.
Ao final, a tentativa de atrair holofotes sobre si e conseguir espaço na mídia levou Bolsonaro ao ridículo. Acompanhado de capangas, o deputado fotografava e filmava os manifestantes, fazia o “v da vitória” e dava “bananas” com os braços. Com esse comportamento, acabou sendo objeto de chacota por parte dos militantes que foram até a porta do quartel.
“A democracia é tão boa que dá espaço até para que viúvas da ditadura expressem suas ideias e tentem a qualquer custo aparecer nos jornais. Da próxima vez quem sabe ele aparece com uma melancia no pescoço”, ironizou Wadih Damous.
Fotos: Raphaela Gentil, Tânia Colker e Tania rego (Agência Brasil).