“Foi um rio que passou em minha vida, e meu coração se deixou levar”, essa frase musical se fixou em minha mente assim que terminei de ler o livro “Florestas de meu exílio”, de João Capiberibe, que esteve exilado na Bolívia, Chile, Canadá e Moçambique, que pela narrativa sensata, lúcida e bela, me levou a compará-lo ao poema musical de Paulinho da Viola. Leia na íntegra o texto do jornalista Chico Bruno.
Conheci Capiberibe, então governador do Amapá, em uma manhã de um sábado de dezembro de 1995 na Praia de Ipitanga, em Lauro de Freitas.
No decorrer destes 18 anos tomei conhecimento da saga da fuga que Capi empreendeu da prisão em Belém, acompanhado de sua companheira Janete e da filha, recém-nascida, Artionka, em diálogos fracionados que travávamos em noites macapaenses e soteropolitanas.
Apesar de somente conhecer Capi em 1995, já conhecia o Amapá desde 1971, quando foi governado pelo comandante Ivanhoé Gonçalves, indicado pela ditadura civil-militar de 1964.
Coincidentemente, o ano em que Capi conseguiu fugir da cadeia em direção à Bolívia pelos rios amazônicos.
Perambulava pela Amazônia, como repórter especial dos Diários Associados do Ceará, que me acolheu ao chegar a Fortaleza fugindo da repressão imposta pela ditadura, que me perseguia desde 1968 por ser uma das lideranças do Movimento dos Vestibulandos cariocas.
Apesar das conversas com Capi durante esses 18 anos, não tinha o registro na memória, de ter lido algo sobre sua fuga em 1971.
Prazerosamente a leitura me colocou no túnel do tempo.
Lembranças vieram em cascata.
Minha memória começou a registrar que naquele ano passei uma boa temporada em Belém, aguardando uma autorização para fazer uma reportagem sobre a mineradora Icomi, que extraia manganês do solo amapaense.
Lembrei que os jornais O Liberal, a Folha do Norte e a Província do Pará publicaram matérias, produzidas pela assessoria de imprensa da Polícia Federal, no estilo “procura-se e recompensa” quem tiver notícias do paradeiro de João Alberto Rodrigues Capiberibe.
O livro escrito, e muito bem escrito, pelo Capi foi responsável por revolver o meu passado.
A saga da fuga de Capi por rios, florestas e trilhas amazônicas me fez recordar os tempos em que trabalhei para os jornais dos Diários Associados em todos estados da região Norte driblando a opressão da ditadura. Anos que me fizeram um bem danado.
É piegas, mas sou obrigado a dizer: “a males que vem para o bem”. Fugindo da repressão conheci toda a Amazônia, a mais encantada e rica região do país.
O livro de Capi me provou isso. O meu exílio na Amazônia, sempre tenso, pois não podia revelar minha verdadeira identidade, tanto que até hoje sou conhecido pelo nome que fui obrigado a adotar.
Relembrei como estive próximo dos ditadores em reportagens que fiz sobre as “grandes obras da ditadura” na Amazônia. A maioria censurada na redação, em Fortaleza, pelos censores de plantão.
A leitura da autobiografia romanceada de Capi trouxe de volta a certeza de que estamos vivendo uma democracia do “faz de conta” por culpa da ditadura civil-militar de 1964.
O livro de Capi reforçou a minha tese.
As agruras da Amazônia atual são frutos plantados pelos milicos de plantão entre 1964 e 1985.
O que está escrito no livro, além de contar a saga vivida por Capi, Janete e o bebê Artionka, tem a virtude de trazer a tona um Brasil que infelizmente poucos conhecem.
O livro espelha o encanto da Amazônia latino-americana. Além disso, é uma ode a solidariedade humana.
É uma narrativa que mostra o mal que fez ao país os 21 anos de ditadura civil-militar. Um regime que insiste em permanecer perseguindo cidadãos, pois não foi totalmente desinstalado do país, pois muitos de seus asquerosos personagens continuam no poder.
“Florestas do meu exílio” nos leva a traçar paralelos entre aqueles anos de chumbo e a atual quadra em que vivemos através da sensatez de sua narrativa.
O livro é uma leitura obrigatória para as gerações que nasceram durante e após o golpe de 1964.
*Chico Bruno é jornalista