Direto do Senado
Nós todos somos guaranis-caiovás
João Capiberibe*
Em consequência dessa decisão judicial, um grupo de 170 indígenas, composto por 50 homens, 50 mulheres e 70 crianças, tomou a iniciativa de enviar uma manifesto ao Governo Federal e à Justiça Brasileira cujo conteúdo é estarrecedor. Eles solicitam nada mais, nada menos que a sua extinção seja decretada, que sejam mortos e enterrados em suas terras.
Eu não tenho conhecimento que uma atitude semelhante a essa tenha sido tomada por alguma etnia em todas as Américas.
As palavras são de desespero. A esperança não mais faz parte desse grupo indígena. E, portanto, como diz o filósofo Ernest Bloch em sua obra “Principio-Esperança”, é a expectativa de que o dia de amanhã será melhor do que o dia de hoje, que faz com que o ser humano levante da cama e vá para a labuta.
Em matéria de desespero o documento é claro e cristalino: “Queremos deixar evidente ao Governo e Justiça Federal que, por fim, já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não acreditamos na Justiça Brasileira”. E o texto vai mais além: “Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e a Justiça Federal para não decretarem a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um brande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais”.
Infelizmente, nesse episódio e em outros semelhantes ainda prevalece à lógica do matador de índios americanos, o malfadado General Custer, ao qual se atribui a frase: “um índio bom é um índio morto!”.
Mas, quero dizer aos meus irmãos garanis-caiovás que vocês não estão sozinhos. Ainda que seja compreensível tal manifestação de desalento por parte dos guaranis caiovás, pois foram 26 jovens índios na faixa dos 15 a 19 anos se suicidaram em 2011 e 62% dos assassinatos de indígenas ocorreram no Mato Grosso do Sul também em 2011, segundo dados do CIMI – Conselho Indigenista Missionário, nós não devemos nos esmorecer. Trata-se de uma longa e árdua luta que começou há quinhentos anos e que continuará ainda por muito tempo. Apesar de todas as dificuldades, os povos indígenas alcançaram muitas conquistas.
Os dados do censo de 2010 mostram a população indígena brasileira cresceu três vezes mais do que o conjunto da população brasileira desde 1955. Mais de 817 mil brasileiros reivindicam a condição de indígenas no país. Esse conjunto está repartido em 220 etnias e falam 180 idiomas distintos. Eles vivem em 688 terras indígenas e, em alguns casos, em áreas urbanas. Além do mais, é preciso salientar que 75% das terras indígenas estão demarcadas.
Há, também, grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição de indígena.
Afirmo, portanto, com todas as forças: “Nós brasileiros somos todos guaranis-caiovás”! A população que reivindica a condição de indígena é pequena, algo em torno de 0,4% da população total do país. No entanto, não podemos nos esquecer de que a miscigenação do Brasil se deve em grande parte ao ventre da índia, ao ventre da cunhã. Como sabemos, a maior parte dos portugueses e africanos que para cá vieram na época da colonização era composta de homens, de varões. E esses homens tiveram filhos com as índias e com as filhas das índias, caboclas e cafuzas. A presença índia está inscrita no DNA do brasileiro. Mas também está presente no idioma que falamos todos os dias, inclusive dessa tribuna. O falar brasileiro é bastante diferente do falar português. Esse foi suavizado, adocicado e embelezado por obra e graça dos índios.
A diversidade cultural iniciada pelo ventre da índia engrandece o Brasil e enriquece a humanidade.
*Senador pelo PSB do Amapá
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