Mais atenção do governo para a gestão dos recursos hídricos. Foi o que pediram os expositores de audiência pública presidida pelo senador João Capiberibe, promovida pela Comissão de Direitos Humanos (CDH), na última terça-feira (10/12). Técnicos, lideranças de populações atingidas pelas consequências do mau uso da água e representantes do governo debateram a escassez gerada pelo impacto do uso do recurso na mineração.
[A matéria é da Agência Senado]
O senador João Capiberibe (PSB-AP), que presidiu a reunião, quer mais: a cobrança referente ao uso da água pelas mineradoras. Para ele, o país tem demonstrado descaso com os recursos naturais, com uma história de destruição da natureza que vem desde o Brasil colonial. Ele observou que o país está alarmado com a escassez de água, em especial o estado de São Paulo, ao mesmo tempo em que há grande desperdício. Segundo o parlamentar, de cada 100 litros de água tratada, menos da metade chega às torneiras do consumidor, o que mostra que a sociedade não tem preocupação com o uso da água.
— O que antes era tachado como alarmismo de ambientalista agora se tornou uma grave realidade. As atividades desenvolvidas pelos humanos já afetaram o ciclo hidrológico e a manutenção da disponibilidade hídrica. É um problema que envolve o modelo de desenvolvimento do Brasil e a concepção de mundo que queremos construir para as gerações presentes e futuras — declarou.
O senador chamou a atenção para o aumento crescente do uso de grandes volumes de água como insumo gratuito pelas grandes mineradoras, para transportar os recursos minerais extraídos do subsolo. Capiberibe contou que os minerodutos utilizam, em uma hora de funcionamento, a quantidade de água suficiente para abastecer uma cidade com 500 mil habitantes no mesmo período de tempo.
O quadro, alerta o senador, se torna ainda mais grave com o crescimento de licenças concedidas para as mineradoras. Segundo ele, em 2012 houve mais outorgas para o uso de água na mineração do que na indústria.
Minas Gerais
Para Patrícia Generoso, representante da Rede de Acompanhamento e Justiça Ambiental dos Atingidos pelo Projeto Minas-Rio em Conceição do Mato Dentro (Reaja), a exploração da natureza hoje é pior do que a que se fazia no passado. Ela deu como exemplo um empreendimento de mineração de grande porte em Conceição do Mato Dentro (MG), que está construindo mais de 500 quilômetros de dutos — por onde passa a água como meio de transporte para os minérios. A ativista contou que uma cachoeira da região, que era usada principalmente para o lazer de crianças, foi detonada pela empresa mesmo sem necessidade. Segundo Patrícia, muitos projetos têm começado sem licença ambiental, afetando a vida silvestre, a criação de gado e as águas dos rios.
— É um caos, uma destruição do início ao fim. Há casos de assoreamento e aterramento de nascentes, com grande impacto social — denunciou.
Assessor da Articulação da Bacia do Rio Santo Antônio de Minas Gerais, Gustavo Gazzinelli registrou que as companhias de água e esgoto vêm fazendo seguidas campanhas para que o consumidor economize água. No entanto, observou, essas mesmas campanhas não são dirigidas para as empresas de mineração. Gazzinelli criticou a atuação da Agência Nacional de Águas (ANA) e afirmou que há uma “quadrilha” em Minas Gerais trabalhando contra as águas e a favor das mineradoras. Ele disse que praticamente todos os rios mineiros saudáveis estão sendo usados para atividades de mineração.
— Vai chegar o dia em que não teremos um rio de qualidade — lamentou.
Conscientização
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Carlos Bittencourt afirmou que a crise da gestão da água no Brasil não é um problema do consumidor individual. Ele lembrou que o volume consumido pela irrigação agrícola, pela indústria e pela mineração é cinco vezes maior que o demandado para o abastecimento público. De acordo com Maria Teresa Corujo, do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela (MG), a mineração compromete não apenas o uso, mas provoca o fim das nascentes.
Já Anacleta Pires da Silva, do Movimento dos Atingidos pelo Projeto Grande Carajás, pediu uma reflexão sobre a importância do recurso e disse que “não somos nada em uma terra sem água”.
Segundo a especialista Eldis Camargo Santos, representante da ANA, a água não pertence ao governo ou a empresas, mas é “um bem de todos”. Ela disse que a agência vem procurando fazer sua parte e acrescentou que a legislação garante, em caso de escassez, a prioridade para o uso humano.
A presidente da CDH, senadora Ana Rita (PT-ES), elogiou a qualidade do debate e afirmou que as informações apresentadas foram impactantes. Ela lamentou um suposto descompasso entre o que a lei prevê e o que de fato vem sendo executado na gestão das águas. Para a senadora, a extração do minério precisa ser repensada e o poder público deve ter agilidade nas questões legais que envolvem o uso da água pela população. Ela pediu ponderação no debate do novo Código de Mineração, que está em análise na Câmara dos Deputados.
Ouça aqui as entrevistas do senador Capi e da senadora Ana Rita sobre a audiência: http://www12.senado.gov.br/noticias/audios/2014/12/audiencia-publica-debate-uso-predatorio-da-agua-por-mineradoras