Essa matéria do jornal Estado de São Paulo de 2001, leva-nos ao passado, relata com precisão o que representava a Escola Bosque no contexto do PDSA. Leia e compartilhe, precisamos saber o tamanho das nossas perdas, e a tragédia que vivemos no presente, para seguir lutando por um futuro digno para todos.
Segunda-feira (14/05/2001)
(Jornal Estado de São Paulo)
Escola no Amapá investe na harmonia com a floresta
Maura Campanili
Isaac Uchoa/Divulgação
Macapá – Neucirene, a primeira da esquerda para a direita, assiste a aula na Escola Bosque
Macapá – Neucirene Freitas Santana tem 15 anos, está na sétima série e sonha ser professora. Esse projeto de vida comum e realizável era completamente impensável há quatro anos para a grande maioria das crianças nascidas no Arquipélago do Bailique, um conjunto de oito ilhas a 185 quilômetros de Macapá, na foz do rio Amazonas. A menina é aluna da Escola Bosque do Bailique, a primeira escola a utilizar uma metodologia socioambiental no Amapá, da pré-escola ao ensino médio e profissionalizante.
A escola atende atualmente 680 alunos, em três turnos, mas está sendo ampliada para 900, no início do próximo ano. Até sua inauguração, em 1998, pelo governo do Estado, os cerca de 8500 habitantes, distribuídos em 37 comunidades e distantes 12 horas de barco de Macapá, tinham acesso ao ensino somente até a quarta série do ensino fundamental, nas 24 escolas do arquipélago. “Meu pai não tinha condições de me mandar estudar em Macapá”, diz Neucirene, filha de um pescador e uma dona de casa analfabetos, cujos seis filhos mais velhos não terminaram os estudos, oportunidade agora desfrutada pelos quatro mais novos.
Cercada pelo rio e pela floresta, a escola causa impacto pelo tamanho e pela arquitetura. Erguida por trabalhadores locais sob palafitas – pois a área é alagadiça durante metade do ano – a Escola Bosque está totalmente inserida na paisagem, com suas construções circulares, em madeira de agilim e maçaranduba e com telhado de palha de buçu, matérias-primas da região. No lugar de vidros, as janelas – e algumas portas e paredes trazem treliças, que colaboram para a ventilação. As mesas e carteiras também são todas confeccionadas no Amapá.
Isaac Uchoa /Divulgação
Arquitetura sobre palafitas está em harmonia com a natureza
A maior inovação, porém, está na filosofia voltada para a valorização do saber local. Na escola, os alunos aprendem a produzir mudas de essências florestais, como cacau e cupuaçu, plantas medicinais e hortaliças, além de criação de frangos, porcos e o manejo do açaí. Pesca e carpintaria naval são temas obrigatórios no currículo, assim como irrigação, usada nos seis meses de seca. Aos sábados, os moradores mais velhos ensinam às crianças suas técnicas tradicionais de pesca e artesanato. Nas aulas de educação física, as atividades são natação, remo ou subida em árvores. Jogar bola, porém, somente é possível no inverno, quando o campo de futebol não está alagado.
Mas a integração com mundo moderno também está presente. Segundo Santos, os alunos estão ligados à Internet via satélite. “Estamos trabalhando para que os equipamentos sejam cada vez mais rápidos e eficientes. Para tanto, contamos com o apoio do Prodap (Processamento de Dados do Amapá), através do Projeto Navegar”, explica Santos. O Navegar é um barco equipado com modernos equipamentos de informática e multimídia, ligados à Internet, que percorre as ilhas do Bailique dando cursos, fazendo pesquisas e diminuindo a distância entre a população e Macapá e, daí, com o resto do mundo.
Segundo o diretor da escola, Leobino Almeida dos Santos, as crianças que moram nas comunidades mais distantes, freqüentam a escola pela manhã, pois os 8 “barcos escolares” que as trazem dependem da maré. “Pelas distâncias, as crianças que moram mais longe levam cerca de 1 hora e meia para chegar, mas dependendo da maré, precisam sair de casa à meia noite e dormir no barco, para poder estar na escola às 7h30 da manhã”, explica.
As crianças que moram mais perto da escola vão às aulas à tarde e muitos chegam à pé pelos mais de três quilômetros de passarelas que ligam a escola às duas comunidades próximas. O período noturno oferece aulas para jovens e adultos que trabalham.
Isaac Uchoa /Divulgação
Hotel escola deverá abrir no próximo ano
Sustentabilidade – Em seu curto período de existência, a Escola Bosque está movimentando também a vida econômica da comunidade. Além de empregar moradores (somente parte dos professores é de fora), a escola consome merenda fornecida localmente (açaí, camarão, peixe, macaxeira) e deverá oferecer, a partir do próximo ano, cursos profissionalizantes.
Os primeiros serão voltados para o ecoturismo, nas áreas de guias e hotelaria. Para tanto, um hotel-escola está sendo construído a cerca de 200 metros da escola, no meio da floresta, com capacidade para cerca de 100 hóspedes. Financiado com recursos federais, estaduais e do Banco Mundial, o hotel é um investimento de R$ 1,5 milhão, cuja obra – também seguindo a arquitetura local – está em pleno vapor.
“O principal é que os cursos serão decididos junto com a população, que está sendo consultada para saber quais são suas necessidades. Cursos de pesca, enfermagem, computação, eletroeletrônica serão criados conforme a demanda”, explica o diretor.
A Escola Bosque de Bailique foi realizada com recursos estaduais e custou, na primeira fase, R$ 680 mil. Os dois últimos módulos, que serão inaugurados no próximo ano, custarão R$ 124 mil. Sem contar o salário dos 31 professores, possui um orçamento anual de cerca de R$ 200 mil. O projeto é o primeiro de uma rede projetada de 5 escolas bosque. A maior delas está em construção na Ilha de Santana, próxima a Macapá.
Estado é pólo de atração de migrantes e ambientalistas
Macapá – A Escola Bosque de Bailique é uma das meninas dos olhos do governador João Alberto Capiberibe (PSB) e seu Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá (PDSA), que vem sendo implantado desde 1995 pelo governador João Alberto Capiberibe (PSB) e consiste em uma aposta de risco: fechar o Amapá para a exploração predatória da madeira e agricultura extensiva (como a soja), investindo na valorização das culturas tradicionais e procurando agregar valor à produção local.
Com 97% de sua cobertura florestal ainda intacta, o Estado é atualmente a meca de ambientalistas e pesquisadores, que consideram o local um laboratório para o desenvolvimento sustentável na Amazônia. Somadas às experiências que estão sendo desenvolvidas no Acre, pela administração Jorge Viana (PT), o PDSA pode representar uma alternativa ao modelo tradicional de ocupação, baseada em exploração madeireira, pecuária e agricultura extensivas.
A educação e capacitação técnica é talvez o principal pilar do Projeto, assim como o incentivo à implantação de fábricas para beneficiamento de produtos extrativistas. O maior exemplo é a fábrica de biscoito no meio da floresta em Iratapuru, reserva extrativista no sul do Estado. “No Bailique vamos ter, dentro de um ano, fábricas para beneficiamento de açaí e camarão. Será da floresta para o mundo”, diz Janete Capiberibe, secretária da Indústria, Comércio e Mineração.
Mas essa efervescência tornou o Amapá um pólo de atração de migrantes. Para o professor de economia da Universidade Estadual de Campinas, Ademar Romero, o grande desafio do Estado será conciliar o desenvolvimento sustentável com um crescimento populacional de 5% ao ano. “Atividades predatórias, como a pecuária extensiva, são sempre mais rentáveis, enquanto as atividades sustentáveis precisam de gestão, mão-de-obra preparada, presença do estado e sociedade civil organizada, capaz de fiscalizar e coibir a atuação da predação”.
Reportagem extraída do Jornal Estado de São Paulo
14 de Maio de 2001.