~Artigo de João Capiberibe ~
Participei a poucos dias de uma cerimônia na Escola Municipal José Leóves Teixeira, no bairro Renascer. Os presentes, moradoras e moradores, sorridentes e confiantes, lotavam o refeitório da escola para receber seus títulos de propriedade das mãos do governador não reeleitoCamilo Capiberibe. Dona Marcilene agradeceu em nome dos moradores. No seu discurso, referindo-se a mim e a Camilo, juntou o pretérito ao presente para dizer que um sonho coletivo se realizava naquele momento. Suas lembranças mexeram com as minhas, sem levantar da cadeira, ausentei-me da cerimônia para me reencontrar com o passado.
Lembrei-me! Foi numa manhã de sol e de calor intenso, lá pelos idos de 1998, creio eu. À sombra de uma árvore solitária fincada em um enorme descampado, mais de uma centena de rostos suados e ansiosos, quase todos femininos, aguardavam sua vez para receber o termo de cessão de uso do solo que, com exclusividade, entregávamos nas mãos das mulheres e, com estudada exceção, a um ou outro homem.
Naquele dia, brotava o loteamento Renascer, cujo nome tem a ver com um tenebroso incêndio que devorou dezenas de casebres de uma ocupação desordenada na chamada Baixada do Japonês. Os sinistrados foram os primeiros a receber os lotes. Num piscar de olhos, o loteamento foi integralmente ocupado, obrigando-nos a avançar sobre uma área contígua, batizada de Pantanal, que nosso governo adquirira do Banco do Brasil, terreno que, por sua vez, o banco havia recebido de uma empresa de terraplanagem em pagamento de um empréstimo não quitado.
Quase gêmeos, vieram ao mundo os bairro Renascer e Pantanal. Abrimos suas ruas e avenidas, asfaltamos as principais, os chamados corredores de transporte coletivo. No Pantanal fizemos uma simpática pracinha, lembro que na inauguração o presidente da associação do bairro, sem que eu até hoje saiba por que, foi xingado e vaiado enquanto discursava. Estendemos a rede de distribuição de energia, e, em parceria com a Prefeitura de Macapá, construímos o palco da cerimônia que me evoca estas lembranças, a Escola Municipal José Leóves Teixeira.
Pouco a pouco, a paisagem agreste foi se transformando em paisagem urbana. Suas artérias, batizadas por Maria Benigna Jucá na época à frente do Terrap (Instituto de Terras do Amapá), passaram a lembrar utopias da era dos extremos: Rua da Liberdade, Rua do Socialismo, ou ainda, Avenida Classicismo. Foi nesse espaço nomeado por idealismos que seus habitantes, ao longo do tempo, construíram sólidas moradias, a maioria com o conforto que a vida moderna oferece: micro-ondas, TV LED, ar climatizado, computador, telefone, internet etc.
Pena que os equipamentos públicos não melhorem na mesma velocidade, pelo contrário, pararam no tempo. De 2003 a 2010, foram oito anos de imobilismo e abandono sem que nenhuma ação digna de registro fosse realizada.
Em 2011, as políticas públicas de interesse coletivo foram retomadas. Camilo começou por devolver o abastecimento de água à Zona Norte, interrompido desde 2006, quando, por falta de manutenção, a adutora principal apodreceu. Uma vez recuperado o sistema, a água voltou às torneiras daqueles que não contavam com poços artesianos ou amazonas, e dos que voltaram a acreditar e optaram por se conectar a rede da CAESA (Companhia de Água e Esgoto do Amapá).
Depois de organizar as finanças e recuperar a credibilidade do Estado, Camilo, desafiando o senso comum de que obra enterrada não dá voto, decidiu levar água para todos os domicílios de nossas cidades e, para isso, constituiu um fundo da ordem de R$ 250 milhões. Obras de água se espalharam pelo estado inteiro. Em Macapá, projetou e passou a executar novos sistemas de captação, tratamento, reservatórios, bombeamento e rede de distribuição de água suficiente para atender 100% dos seus moradores. No entanto, faltou a ele explicar que obras de tamanha complexidade levam mais tempo que um mandato de quatro anos para serem concluídas. A rede de distribuição dos bairros Renascer e Pantanal, por exemplo, prontas desde 2013, só vão receber água quando as obras da terceira estação de tratamento da Rua Jovino Dinoá, no bairro do Beirol, estiverem concluídas. Numa rápida retrospectiva, a primeira estação de tratamento de água foi construída no governo Arthur de Azevedo Henning, em 1973; a segunda, em nosso governo, no ano de 2001.
As políticas de saneamento sofreram um enorme retrocesso no governo que antecedeu o de Camilo. Como, a partir de janeiro de 2015, teremos mais do mesmo, torna-se difícil prever quando essas obras serão concluídas, ou se um dia, pela rede enterrada no Renascer-Pantanal, vai correr água até as torneiras de seus moradores.
O Programa Lote Legal, criado em 2011, assegurou às moradoras e aos moradores, sem qualquer custo, receber seus títulos de propriedade registrados em cartório de imóveis. Camilo retomou o fio da meada, transformou os títulos precários que eles haviam recebido lá atrás, por uma política pública do meu governo, em títulos definitivos. Camilo assegurou o direito à propriedade à milhares de famílias que haviam investido o trabalho de uma vida na construção de suas vivendas.
Camilo não parou por aí, fez construir um belo e confortável prédio no bairro Pantanal, onde, com merecida festa, inaugurou a Escola Estadual Rizalva Freitas do Amaral, uma escola de qualidade Inacreditável! Dê uma de São Tomé! Vá lá pra ver. Também fez construir uma linda creche no bairro Renascer, que está sendo repassada à prefeitura de Macapá.
Lembro que em seu primeiro ano de mandato concluiu a urbanização da Av. Tancredo Neves, obra que se arrastava desde 2006, onde moradores do Renascer praticam diariamente exercícios aeróbicos, e agora, no apagar das luzes do seu quarto e último ano, Camilo se despede entregando o novo prédio do DETRAN e a Maternidade da Zona Norte.
Todo mundo sabe, nossa Macapá precisa de um banho de loja. E não vai ficar sem. Isso mesmo. Vai ter: drenagem, calçamento, meio fio e asfalto novo para suas ruas e avenidas. É disso que trata o Programa de Mobilidade Urbana de Macapá. São 50 km de vias urbanizadas, investimentos acima de R$ 50 milhões que Camilo concebeu, levantou os recursos, desenvolveu os projetos, licitou e contratou as obras, que já começaram, e que o próximo governo terá apenas que gerenciar e inaugurar. Claro! Renascer e Pantanal vão receber uma fatia desse bolo.
Fui trazido de volta à realidade pelo mestre de cerimônia que anunciou minha palavra. Tomei o microfone, saudei a mesa e os presentes. Hesitei, mas comecei perguntando: Vocês acham que política pública de interesse coletivo dá voto? A plateia se dividiu, mas pude perceber que a manifestação pelo sim, ainda que mais ruidosa, era minoritária. Mais tarde, já em casa, Camilo demonstrando satisfação, comentou comigo:
– Considerando o resultado da eleição de outubro, os que responderam sim a tua pergunta me dão a impressão que correspondem aos 43 % dos votos que obtive em Macapá.
– É possível, respondi.
Assim sendo, podemos concluir que política pública de interesse coletivo dá voto, mas não o suficiente para eleger quem a idealiza e a executa.
*João Capiberibe é ex-prefeito de Macapá, ex-governador do Amapá e senador no segundo mandato pelo PSB do Amapá.