Conter a expansão excessiva dos gastos das assembleias legislativas e dos tribunais de contas dos estados é o objetivo da Proposta de Emenda Constitucional de autoria do senador João Capiberibe (PSB-AP), apresentada esta semana. A PEC recebeu o número 30/2014 e está na Comissão de Constituição e Justiça aguardando a designação de relator. A ideia é fixar valor para gastos das casas legislativas e tribunais. Ouça a entrevista do senador à Rádio
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Entenda um pouco mais sobre a PEC:
Esta Proposta de Emenda à Constituição tem por objetivo conter a expansão excessiva dos gastos das Assembleias Legislativas e Tribunais de Contas dos Estados (TCEs). É amplamente sabido que os Estados brasileiros encontram-se em situação de forte restrição fiscal. Não há unidade da Federação que possa alegar que dispõe de recursos suficientes para prover adequados serviços de saúde, segurança pública ou educação. No entanto, as assembleias e TCEs expandem seus gastos ano após ano, consumindo parcela considerável das receitas estaduais, com despesas muito além daquelas necessárias para prover um serviço eficiente.
Os gastos totais de assembleias e tribunais estaduais somaram, em 2013, nada menos que R$ 14,5 bilhões, sendo R$ 9,4 bilhões nas assembleias e R$ 5,1 bilhões nos tribunais.
Para colocar essa despesa em perspectiva, tome-se em comparação o custo do Parlamento Europeu. De acordo com a revista The Economist, de 17 de maio de 2014, os eleitores europeus estão desiludidos com o alto custo daquele parlamento, equivalente a US$ 2,5 bilhões por ano (aproximadamente R$ 5,75 bilhões/ano). Ou seja, o Parlamento Europeu, considerado muito caro, gasta R$ 3,65 bilhões a menos que a soma das assembleias estaduais brasileiras. Com um detalhe: um quarto das despesas daquele Parlamento refere-se à obrigatória tradução de todos os documentos para as 24 diferentes línguas dos países membros, despesa que obviamente não encontra paralelo nas assembleias brasileiras. Ademais, há os custos de viagem dos membros e a obrigatoriedade de se fazer reuniões em três cidades europeias diferentes: Bruxelas, Estrasburgo e Luxemburgo.
A mesma matéria de The Economist continua elencando fontes de desperdícios naquele Parlamento: “o sistema de despesas dos parlamentares é um escândalo: não é preciso apresentar recibos das
despesas, existe pouca auditoria e a contratação de parentes é comum”[1]. E, com tudo isso, o Parlamento Europeu gasta R$ 3,65 bilhões a menos, por ano, que o somatório das assembleias estaduais.
Trazendo a comparação para o plano nacional, constata-se que as assembleias e TCEs gastam R$ 5,3 bilhões a mais, por ano, que a somatória de seus órgãos congêneres na esfera federal: Câmara dos Deputados, Senado e TCU. Nós, do Legislativo federal, que também somos bastante criticados por nossos gastos, temos despesa bem menor que o conjunto das assembleias e TCEs.
As despesas das assembleias e TCEs têm crescido em termos reais ao longo dos anos, ao contrário do que seria de se esperar. Afinal, ambas as instituições realizam funções bastante padronizadas. As assembleias propõem e aprovam leis, bem como fiscalizam ações do Poder Executivo local. Os TCEs cumprem função fiscalizadora com atribuições definidas nas constituições federal e estaduais. Por isso, suas estruturas operacionais e seus gastos não precisam crescer, ao longo do tempo, acima da inflação. Uma vez montada a estrutura de funcionamento de uma casa legislativa ou de um TCE (construção de sede, aquisição de equipamentos, etc.), os anos seguintes exigirão apenas as despesas de funcionamento (salários, material de escritório, etc.) e de reposição dos ativos depreciados (troca de móveis, de veículos, etc.).
Isso é muito distinto, por exemplo, da ação de uma secretaria de saúde, que amplia o número de postos de atendimentos, constrói novos hospitais, expande a clientela atendida. Difere, também, da ação de uma
secretaria de educação, que incorpora novos alunos, contrata novos professores. Também não se compara às despesas de uma secretaria de obras, que, a cada ano, gasta um montante maior ou menor de recursos, em função do número e do porte das obras realizadas.
Quando uma assembleia ou um tribunal de contas aumenta, ano após ano, a sua despesa acima da inflação, isso significa que, provavelmente, ela está contratando mais funcionários, concedendo aumentos reais aos seus servidores e dirigentes ou, ainda, ampliando o seu gasto de consumo.
Dados do Tesouro Nacional mostram que a chamada “despesa legislativa”, que representa o somatório de despesas das assembleias e TCEs em suas áreas fim, cresceu em termos reais, entre 2002 e 2012, nada menos que 47%, passando de R$ 7,9 bilhões para R$ 11,6 bilhões (em valores de 2012). Se supusermos que, em 2002, o gasto desses órgãos era suficiente para o cumprimento de suas funções, não haveria motivos para que, em 2012, eles se situassem em nível 47% mais alto.
Note-se que um dos fatores de elevação vegetativa da despesa, que é o aumento de gastos com aposentadorias e pensões, está excluído do conceito de “despesa legislativa”.
Quando consideramos a evolução da despesa legislativa por estado, entre 2002 e 2012, constatamos que, em nove estados, a despesa mais que dobrou. Em RR, multiplicou-se por 3,2. Onde cresceu pouco, essa despesa variou 25% entre 2002 e 2012, o que ainda é um aumento considerável.
As despesas das assembleias e tribunais de contas consomem parcela significativa das receitas dos estados. Em média, elas representam 4,1% da Receita Corrente Líquida (RCL). Em Roraima chegam a consumir 7,7% da RCL.
Uma forma de verificar se isso representa uma despesa elevada, é comparar com outras categorias de despesa. Tomamos, a título de exemplo, os gastos estaduais com investimentos. Esses gastos são importantes para a população, visto que representam a construção de estradas, infraestrutura urbana, sistemas de saneamento básico, etc. Em média, os gastos das assembleias e TCEs em 2013 equivalem a quase a metade de tudo o que se gastou com investimentos em 2012. Em Goiás e no Rio Grande do Sul os gastos com aqueles órgãos superam 80% do que se gasta em investimentos.
Quando analisamos os gastos das assembleias dividido pelo número de deputados, percebemos uma grande dispersão de valores entre os estados. Enquanto no Acre esse indicador é de R$ 4,7 milhões por deputado; no Rio de Janeiro, essa cifra chega a R$ 15,9 milhões. Por que uma assembleia precisa gastar três vezes mais que a outra por deputado?
No caso dos TCEs não há, sequer, diferença no número de conselheiros entre estados, visto que o art.75, parágrafo único, da Constituição Federal determina que todos eles devem ter sete conselheiros. Assim, o custo total de todos os TCEs deveria ser bastante similar, o que faria com que os estados de menor receita gastassem uma parcela maior dessa receita com o órgão. Ainda que se possa argumentar que estados com orçamentos maiores exigiriam auditorias mais complexas e mais caras, elas
não seriam tão mais caras a ponto de, por exemplo, dobrar o custo de operação do TCE.
De fato, o estado de maior receita (SP) tem a menor relação entre a despesa do seu TCE e sua RCL. Contudo dois outros estados de alta RCL (MG e RJ) têm despesa muito maior como proporção da receita, ao passo que estados de menor receita, como CE e BA, figuram com baixa relação entre despesa do TCE e RCL. Ou seja, há estados que gastam com os seus TCEs muito acima do que seria exigido por uma operação eficiente desses órgãos. O MT, por exemplo, apresenta razão entre gastos e RCL equivalente ao dobro da média nacional.
Em geral, estados que têm alta relação “despesa com TCE” e RCL também tendem a ter alta relação “despesa com a assembleia” e RCL. Ou seja, parece haver uma decisão política, em cada estado, na qual alguns destinam muitos recursos para os dois órgãos, enquanto outros controlam mais fortemente ambas as despesas.
É necessário, portanto, impor limite a esses gastos. Note-se que tal iniciativa deve vir do legislador federal, visto que os legisladores estaduais jamais tomarão a iniciativa de conter os próprios gastos. Os governadores de estado, na maioria dos casos, são reféns do poder político das assembleias e TCEs, que absorvem para si verbas que teriam uso muito mais eficiente se aplicadas na provisão de serviços públicos diretamente à população.
Por fim, registro que, ao contrário do que se usualmente propõe, não estou sugerindo limitar as despesas dos órgãos em questão a
um percentual da receita. Não o faço porque não há motivos para que, ao longo do tempo, se mantenha uma razão fixa entre os gastos de assembleias e TCEs e as receitas estaduais. As receitas tendem a crescer em termos reais, acompanhando o crescimento da economia, o que permitiria a permanente expansão dos gastos daqueles órgãos. Acredito que suas despesas, hoje já inchadas, devem crescer, no máximo, no mesmo ritmo da variação dos preços. Daí porque sugiro um limite igual ao gasto de 2013, permitindo-se a correção pela inflação nos anos seguintes.
[1] “The European Parliament – Elected, yet strangely unaccountable”,The Economist, 17 de maio de 2014.